Eduardo Ferreira
(ferreiraedu@terra.com.br)

CAPITÃO DILERMANDO DE ASSIS

1.Tragédia da Piedade
O Canal Viva, pertencente à Organização Globo, vem nesse últimos meses reapresentando a série que alcançou grande sucesso denominada “Desejo”. A série aborda com muitos detalhes a trágica história amorosa envolvendo o então cadete Dilermando de Assis e Ana Emília, esposa do escritor Euclides da Cunha, culminando com a morte do famoso escritor brasileiro e com ferimento à bala do amante após terem trocados tiros na casa de Dilermando, que morava no bairro Piedade.

O fato teve uma grande repercussão nacional e marcou a sociedade carioca no início do século passado com o romance vivido pelo cadete do Exército Brasileiro Dilermando de Assis, na época com 17 anos e Ana Emília Ribeiro a “Saninha”, filha do General Solon Ribeiro, então com 30 anos. Euclides da Cunha passou longo tempo no Nordeste a serviço do Governo acompanhando a Guerra de Canudos e posteriormente escrevendo o livro “Os Sertões.

Os jornais da época do Rio deram ampla cobertura a denominada “tragédia da Piedade”, ocorrida em 15 de agosto de 1909, explorando o triste episódio com muito estardalhaço e parcialidade em favor do escritor. Convém lembrar que tanto Dilermando quanto o seu irmão que morava junto com ele saíram gravemente feridos, com Dilermando sendo atingido na virilha e no peito e Dinorah nas costas, o que o deixou paraplégico pelo ferimento recebido e encerrou a sua carreira de aluno da Escola Naval e a promissora carreira de jogador de futebol pelo Botafogo.

Posteriormente, o filho de Euclides, Euclides da Cunha Filho, apelidado familiarmente de “Quidinho”, em 4 de julho de 1916, tentando vingar a morte do pai e extremamente desgostoso com o casamento da mãe com o homem que havia matado seu pai, atingiu com dois tiros Dilermando pelas costas em um cartório no fórum do Centro do Rio de Janeiro, sendo morto logo em seguida por Dilermando, deixando um rastro de sangue na biografia do jovem militar.

Novo escândalo na sociedade carioca e novo julgamento, sendo Dilermando levado novamente ao banco de réus. Mais uma vez e graças à atuação do renomado advogado de defesa Evaristo de Moraes, acabou sendo absolvido pelo juri popular por ter revidado as duas tentativas e ter disparado em legítima defesa.

2. Breve Biografia de Dilermando de Assis
Dilermando Cândido de Assis nasceu em Porto Alegre em 18 de janeiro de 1888 e aos 17 anos ingressou na Escola Militar no Rio de Janeiro vindo a morar na própria escola. O romance com Ana teve início em 1905, quando ela havia lhe indicado um quarto para morar, na Pensão Monat situada à rua Senador Vergueiro. Nesta pensão eles costumavam se encontrar durante as longas ausências de Euclides, sempre viajando a serviço do Governo Federal.
Em 1908 concluiu o curso na Escola Militar de Porto Alegre, atingindo o posto de tenente, retornando em seguida para o Rio onde passou a morar com o irmão Dinorah, que cursava a Escola Naval e jogava no Botafogo, em uma casa na Estrada Real de Santa Cruz 214 (depois avenida suburbana, atual avenida Dom Hélder Câmara), no bairro da Piedade.
Dilermando era então descrito como um homem atlético, esportista, belo, alto e loiro. O relacionamento entre os dois estabeleceu-se de uma forma apaixonada e inconsequente e, mesmo continuando casada com Euclides, tiveram dois filhos, registrados por Euclides.
Após o jugamento da morte de Euclides e a absolvição de Dilermando, os dois contraíram matrimônio em 12 de maio de 1911 e alugaram uma casa na Rua Humaitá. Casando-se com Ana, tem com ela quatro filhos. O relacionamento, porém, iria durar apenas catorze anos. Em 1926, quando ela contava com 50 anos, e com cinco filhos, ocorreu a separação.
Na sua carreira profissional, Dilermando foi um engenheiro militar, escreveu livros e foi um maçom conceituado. Viveu em muitas cidades pelo país, servindo ao Exército, sendo promovido sucessivamente até o posto de General.
Em novembro de 1951 Dilermando morreu aos 63 anos de idade de ataque cardíaco no Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano morreu também, no mês de maio, de câncer, sua ex-mulher, Ana.
Seu irmão, que era atleta e jogador do Botafogo de Futebol e Regatas com o tiro recebido por Euclides fica com hemiplegia e, não suportando a condição, suicidou-se em 1921.


3. O Campeão Brasileiro de Tiro
O que muitos desconhecem da vida atribulada de Dilermando de Assis foi que ele teve uma participação muito expressiva no Tiro Esportivo, tornando-se Campeão do Exército e Campeão Brasileiro na modalidade de fuzil de guerra. Foi ainda representante do Tiro Nacional em 1922 nos Jogos Latino-Americanos, sagrando-se campeão na prova de fuzil, superando os experientes atiradores argentinos e chilenos.
Muito embora haja poucos dados sobre os atiradores da época foi possível resgatar importantes resultados dos nossos atletas, obtidos nos preciosos álbuns do medalhista olímpico e fundador do Tiro Brasileiro Dr. Afrânio Costa. Valendo-se desses documentos, esses foram os principais resultados de provas do atirador Dilermando Cândido de Assis, entre os anos de 1922 a 1928:

a. Em 16 de setembro de 1922, nos Jogos Latino-Americanos realizados no Rio de Janeiro em comemoração ao Centenário da Independência do Brasil, Dilermando venceu a prova de fuzil de guerra. Naqueles Jogos, o Brasil teve também como campeões os heróis de Antuérpia: Tenente Guilherme Paraense e Dr Afrânio Costa, vencedores das provas de revólver e pistola livre.
A Cerimônia de Abertura foi realizada no estádio do Fluminense e contou com a
presença do Presidente da República – Dr. Artur Bernardes e do Presidente do
Fluminense Dr Arnaldo Guinle;

b. Em 06 de outubro de 1923, no I Campeonato Carioca organizado pela Associação Atlética Metropolitana de Esportes Terrestres, Dilermando competindo pelo São Cristóvão Futebol e Regatas (SCFR), venceu a prova de fuzil de guerra. O Campeonato foi vencido pela equipe do Fluminense Futebol Clube;

c. No Campeonato Brasileiro promovido pela Federação Brasileira de Tiro em 26 de outubro de 1923, com o apoio da Diretoria Geral do Tiro de Guerra (DGTG), conquistou o primeiro lugar com 158 pontos na prova de fuzil deitado, 300 metros, superando Antônio Francisco da Silva com 157 pontos e o Tenente Antônio Ferraz da Silveira com 154 pontos;

d. Em 05 de dezembro de 1927, no Campeonato Brasileiro de 1927, realizado na Vila Militar, Dilermando competindo pelo Paraná, obteve o 3º Lugar na prova de fuzil de guerra com 407 pontos, na prova vencida por Harvey Villela, que estabeleceu um novo recorde brasileiro com 435 pontos.

e. Na prova de fuzil livre 300m, vencida por Villela com 436 pontos, Dilermando ficou novamente na 3ª classificação com 411 pontos;

f. Em março de 1928, durante o Campeonato Interestadual realizado no estande do Cajuru, em Curitiba, Dilermando foi o vencedor das prova de fuzil de guerra com 401 pontos, seguido do Capitão Carlos Amorety Osório e Eugenio Caetano do Amaral, pai do campeão brasileiro Leonel do Amaral. A equipe paranaense venceu o campeonato.

 


por Eduardo Ferreira
Recordista e campeão brasileiro de armas longas da CBTE e das Forças Armadas. Ex vice-presidente da CBTE e da federação do DF, ex presidente das federações do RJ e CE, e diretor das federações da PB e RS. Autor de "Arma Longa" e "História do Tiro"
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