Eduardo Ferreira
(ferreiraedu@terra.com.br)

1948 - Jogos Olímpicos de Londres

1. Fundação da CBTA
Vimos no capítulo anterior, apresentado em dezembro último, a enorme luta que a Confederação Brasileira de Tiro ao Alvo (CBTA) viveu para se tornar novamente independente e seguir conduzindo os destinos do Tiro Esportivo brasileiro, interrompidos com a extinção da Federação Brasileira de Tiro (FBT) e a criação da Confederação Brasileira de Caça e Tiro (CBCT), em 08 de julho de 1942 .

Durante seis anos, período em que o Tiro esportivo passou subordinado à Confederação Brasileira de Caça e Tiro (CBCT), foram momentos de dificuldades sofridos pelos atiradores da bala, notadamente, pela indiferença e humilhação provocadas pelos dirigentes da Caça, pessoas alheias ao mundo esportivo.

Sem dúvida, foi um período considerado negro na história do Tiro, quase provocando o desaparecimento do esporte. Não encontramos no período notícias sobre competições do tiro à bala. Simplesmente, o Coronel Américo Braga, Presidente da entidade, deixou de incluir provas de tiro à bala em seu calendário. A CBCT somente se preocupou em programar provas de prato e caça, esquecendo o fato de que o Tiro brasileiro somente era conhecido e respeitado, graças à brilhante atuação dos atiradores nos Jogos Olímpicos de Antuérpia, em 1920.

Talvez movidos pelo despeito ou pela inveja à pessoa ou à liderança do Ministro Afrânio Antônio da Costa, que possuía livre trânsito e profundo conhecimento com as autoridades desportivas e do governo, os dirigentes da CBCT não se mostraram sensíveis e competentes para dirigir o Tiro esportivo e criaram uma forte animosidade entre os atiradores e os caçadores. Acabou o Tiro se dividindo.

Assim, nasceu o movimento para a fundação da Confederação Brasileira de Tiro ao Alvo (CBTA), em 28 de novembro de 1947, com apoio de quatro federações: Distrito Federal, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. As provas da UIT de carabina e de pistola foram reativadas e campeonatos estaduais foram programados, bem como o campeonato brasileiro a partir de 1948.

2. Tiro Brasileiro Nas Olimpíadas
Ao se aproximarem os Jogos Olímpicos de Londres, novamente os ânimos esquentaram entre as duas entidades, para ver qual delas poderia inscrever seus atletas nos Jogos. Mais uma vez, a figura do Ministro Afrânio, Presidente da CBTA, foi decisiva. Por intermédio do seu passado esportivo, como atleta e dirigente, e por sua grande influência e conhecimento no mundo esportivo nacional, os membros do Comitê Olímpico Brasileiro decidiram que o Tiro esportivo era o único e lídimo representante do esporte olímpico. A decisão não poderia ser outra. Os atletas seriam aqueles selecionados pela CBTA e não pela CBCT.

A CBCT decidiu partir para a justiça comum. Em edição de 22 de julho de 1948, o Globo publica a seguinte manchete: “Impedida a Confederação Brasileira de Caça e Tiro de enviar seus representantes à XIV Olimpíada de Londres”.

“Mandado de segurança impetrado contra o Comitê Olímpico Brasileiro no juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública”:

Deu entrada, ontem, no Juízo da Primeira Vara da Fazenda Pública, impetrado pela Confederação Brasileira de Caça e Tiro, contra o Comitê Olímpico Brasileiro, relativamente à nossa representação de tiro na 14ª. Olimpíada, a realizar-se em 02 de agosto próximo, em Londres, Inglaterra. Alega a impetrante que preparou os seus atiradores com o fim exclusivo de enviá-los ao concurso internacional das Olimpíadas, preparo esse realizado em Porto Alegre, e que, com estranheza, recebera um ofício do Comitê Olímpico Brasileiro em que informa estar a Confederação impedida de tomar conhecimento dos resultados alcançados pelos seus componentes.

Resulta daí, acrescenta, que a Confederação não poderá enviar à Inglaterra os seus atiradores para aquele concurso, resolução tão arbitrária quanto ilegal, pois o ato mal comparando, equivale a pedir um aluno de medicina que pratique uma operação cirúrgica em preterição de um cirurgião autorizado ao exercício de sua profissão, por todos os meios legais.

Conclui a impetrante, afirmando que é um absurdo o ato do Comitê Olímpico, o que vale a dizer o mais grave atentado que se pode fazer ao direito da Confederação na representação do Brasil à 14ª. Olimpíada de Londres. A petição será encaminhada hoje ao juiz Sr Elmano Cruz para os fins de direitos”.

O Jornal “Correio da Manhã”, de 23 de julho de 1948 publicou a decisão que possibilitou a participação dos atiradores brasileiros nos Jogos Olímpicos de Londres:
O Dr. Elmano Cruz, juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública, proferiu ontem longo e fundamentado despacho na inicial de mandado de segurança requerida pela Confederação Brasileira de Caça e Tiro e na qual essa entidade pretendia impedir a participação dos atiradores brasileiros nas Olimpíadas de Londres.
Negando o embargo ao comparecimento do Tiro, entre muitas considerações disse o Juiz Elmano Cruz:

Prima fade não se apresenta o pedido revestido dos elementos imprescindíveis à concessão da drástica medida liminar da suspensão do ato inquinado de vicioso ou ilegal.

No caso em tela é público e notório que a delegação brasileira, credenciada pelo Comitê Olímpico Brasileiro, já se ausentou do país, e não seria crível supor que o tivesse feito desautorizada pelo Conselho Nacional de Desportos. Há pelo menos uma presunção júris tantum dessa autorização, o que vale a dizer, da legitimidade (vista pelo prisma administrativo) da constituição da delegação”.

“Tanto bastaria para justificar a não concessão da medida liminar, medida violenta e só admissível quando realmente líquido e certo se apresentar o direito do impetrante, podendo resultar da não concessão da medida lesão grave e irreparável de direito seu”.

E assim conclui a decisão: “Observo e anota, desde já, que é de mau vezo dos postulantes o mencionar no pedido qualidades pessoais, indiferentes à solução do litígio, o fato de ser o presidente da impetrante coronel do Exército ou pertencente às forças ativas do Exército Nacional, não melhora nem piora o direito da impetrante. Apenas revela desconhecimento das altas funções do Poder Judiciário, ao qual são indiferentes as pessoas e as suas funções públicas, por mais altas que sejam”.

Em face da manifestação da Justiça, assegurando ao Tiro Brasileiro a participação em Londres, apesar de todos os obstáculos imaginados para impedi-la, não fica rompida a tradição mantida desde Anvers (Antuérpia) em 1920, onde a nossa delegação foi chefiada pelo atual presidente da Confederação Brasileira de Tiro ao Alvo – Dr. Afrânio Antônio da Costa.

3. Participação dos atiradores nos Jogos Olímpicos
Desimpedidos pela decisão do COB, a direção técnica da CBTA selecionou os melhores atletas nacionais para participarem dos Jogos Olímpicos. Participaram da delegação brasileira os seguintes atiradores:
Arma longa: Antônio Martins Guimarães, J.Pinto de Faria e Alberto Pereira Braga, então com 18 anos de idade.
Arma curta: Álvaro José dos Santos Júnior, Silvino Fernandes Ferreira, Oswaldo Impelizieri, Pedro Simão e Alan Sobocinski.

Nossos atletas tiveram boa participação, com resultados semelhantes aos alcançados durante a seletiva e nos campeonatos estaduais.
Os resultados das provas disputadas pela equipe brasileira foram os seguintes:

29 a 14/ 08/ 1948 – XIV JOGOS OLÍMPICOS
LONDRES – INGLATERRA

 

Categoria Senior

COL

NOMES

FED

TOTAL

10

Arthur Cook

EUA

599/ 43

20

Walter Tomsen

EUA

599/ 42

30

Jonas Jonsson

SUE

597/ 44

130

Antônio Martins Guimarães

DF

594 (*)

280

Alberto Pereira Braga

DF

589

450

J. Pinto de Faria

SP

584

Obs: (*) Novo recorde brasileiro                  

Categoria Senior

COL

NOMES

FED

TOTAL

10

Edwin Vazquez Cam

PER

545

20

Rudolf Schnyder

SUI

539/ 21

30

Torsten Ullman

SUE

539/ 16

280

Silvino Fernandes Ferreira

DF

511

310

Álvaro José dos Santos Júnior

DF

509

Categoria Senior

COL

NOMES

FED

TOTAL

10

Karoly Takacs

HUN

580 (NRO)

20

Carlos Henrique Diaz Saenz Valiente

ARG

571

30

Sven Lundqvist

SUE

569

300

Pedro Simão

SP

540

340

Álvaro José dos Santos Júnior

DF

527

560

Alan Sobocinski

SP

490


Durante vinte e sete anos o tiro ao prato permaneceu vinculado à CBCT. Somente em 1975, o Conselho Nacional de Desportos (CND) decidiu passar a direção das provas de Skeet e Fossa Olímpica para a esfera da CBTA, tendo em vista que as duas provas eram olímpicas. Juntamente com essas duas modalidades, vieram o Trap e o Javali, ou seja, todo o Tiro em movimento, exceto a Fossa Universal, que ficou sob a orientação da Confederação Brasileira de Caça e Tiro (CBCT). Mas, isso será um assunto para ser comentado mais tarde em outro artigo.


por Eduardo Ferreira
Recordista e campeão brasileiro de armas longas da CBTE e das Forças Armadas. Ex vice-presidente da CBTE e da federação do DF, ex presidente das federações do RJ e CE, e diretor das federações da PB e RS. Autor de "Arma Longa" e "História do Tiro"
ferreiraedu@terra.com.br

 
Todos os Direitos Reservados © 2007 • Diretora do Stand de Tiro do Fluminense • Angelamaria Lachtermacher