Eduardo Ferreira
(ferreiraedu@terra.com.br)


CAMPEONATOS PAN-AMERICANO DE TIRO MILITAR - PANAMÁ

I PARTE (1960–1970)


FUZIL GARAND M-1

1. COMPETIÇÃO

O Exército Norte-Americano do Comando Militar do Sul (USARSO), com sede na Zona do Canal, na cidade do Panamá, promoveu em fevereiro de 1960 o I Campeonato Pan-Americano de Tiro Militar no estande aberto de tiro militar “Emperator”. Ao todo, ocorreram quinze edições realizadas desde 1960 até 1974 quando o campeonato foi extinto, participando a maioria dos exércitos da América do Sul, da América Central e dos Estados Unidos, todos os países pertencentes ao Acordo Militar estabelecido com os Estados Unidos.

Cerca de 20 equipes, reunindo aproximadamente 200 atiradores militares participaram anualmente do campeonato. Ao longo desse período, a equipe do Exército Brasileiro de Armas Longas teve um desempenho destacado, tornando-se a partir dos anos 70 uma das melhores equipes, obtendo os primeiros lugares nas provas e conquistando inúmeras medalhas individuais e por equipe.

O Campeonato Pan-Americano representava uma cópia fiel da instrução de tiro militar, realizada anualmente pelas tropas do Exército dos Estados Unidos, sendo bastante difundida na formação e na instrução de todos militares do Exército norte-americano. Os cem melhores militares classificados nesse evento recebiam a cada ano um distintivo denominado “presidente hundred’s”, podendo usá-lo oficialmente em seu uniforme. Era motivo de honra para os oficiais e praças que conquistavam esse título e usavam com muito orgulho o distintivo em seus uniformes.

Para a realização da competição o Exército norte-americano enviava anualmente dez (10) fuzis garand M-1 NM (normal-match) para os países participantes, com mais de um mês de antecedência, para que as equipes pudessem treinar e se ajustar com as armas. As delegações eram constituídas por oito atiradores, um técnico (coach), um atirador reserva e um chefe de delegação. O Campeonato tinha como norma que cada delegação deveria levar pelo menos um atirador “novo” que nunca havia participado do campeonato. Havia premiação especial para este atirador novato.

As competições eram realizadas normalmente nos mês de fevereiro e duravam cerca de quinze dias. As delegações eram transportadas em aviões da USAF, que faziam escalas em cada país transportando as equipes até a cidade do Panamá, onde eram alojadas no Fort Clayton.

2. SELEÇÃO DA EQUIPE BRASILEIRA E TREINAMENTO NO BRASIL

A Comissão Desportiva do Exército (CDE) normalmente convocava cerca de 15 melhores atiradores de  fuzil, com base nos últimos resultados do Campeonato do Exército. Até 1965, o armamento utilizado nas eliminatórias era o fuzil Mauser 1908, cal 7 mm. A partir deste ano as eliminatórias foram realizadas com o fuzil FAL 7.62, recém chegado ao Brasil e que permitia o tiro rápido.

Os dez melhores classificados recebiam o fuzil Garand M1 enviado pelo exército norte-americano. Os alvos eram também enviados e do mesmo tipo que seriam usados nas provas do Panamá, com a numeração variando de zero a zona do cinco V (5V). As eliminatórias eram realizadas no estande da Vila Militar com os atiradores atirando ao ar-livre, do lado de fora do estande, tal como seria no Panamá. Como curiosidade o estande das eliminatórias foi construído ao lado, onde hoje se situa o estande do CNTE. O treinamento e a seletiva eram feitos à semelhança das provas do Panamá, ao ar livre e a uma temperatura ultrapassando os 40º à sombra.

Havia um problema para o treinamento da equipe, a munição enviada era reduzida e a CDE teve que entrar em contato para conseguir mais munição nos quartéis da Vila Militar. A quantidade encontrada não foi suficiente e até junto aos fuzileiros da Ilha de Governador foram acionados para o empréstimo de munição. Em 1967 o treinamento da equipe foi no estande dos fuzileiros na Ilha do Governador.

3. CHEGADA NO PANAMÁ 

O Campeonato Pan-americano no Panamá tinha uma duração de duas semanas com uma semana de clínica, com treinamento e outra de provas. As delegações militares eram transportadas pelos aviões da Força Aérea Norte-americana, que faziam escalas em seus países trazendo as equipes até a cidade do Panamá. No aeroporto de Tocúmen, no Panamá, oficiais norte-americanos recebiam e saudavam as delegações que eram em seguida transportadas para a Zona do Canal. Ao chegar ao Fort Clayton as equipes eram distribuídas pelas companhias e ficavam alojadas nos alojamentos vagos pela tropa que estava lutando no Vietnam.

O transporte para o estande era feito por ônibus escolares. Dentro dos ônibus os atiradores se misturavam e de dentro se ouvia uma confusão de línguas, risadas e sotaques predominantemente caribenhos. Momentos de descontração, alegria e de brincadeiras que serviam para travar conhecimentos com os novos atiradores e de rever e abraçar os atiradores do passado. Um clima de camaradagem pouco visto nas competições civis em que participei.

É interessante observar que não havia distinção entre oficiais e praças participantes, todos eram tratados igualmente como atiradores, ficavam alojados nas companhias e participavam das mesmas provas lado a lado, competindo debaixo de um sol escaldante do Panamá. Era muito gratificante observar uma extensa linha de atiradores, com os oficiais disputando igualmente as provas com as praças. O armamento utilizado era o “fuzil Garant M-1 .30, Normal Match, com um cano especial e com um carregador metálico “clip” de oito cartuchos, que fazia um ruído metálico típico após o último disparo com a ejeção do mesmo”. A munição era calibre. 30 match (Lake City).  

4. CERIMÔNIA DE ABERTURA

Na primeira semana que antecedia as provas era realizada a Cerimônia de Abertura, bem típica do exército norte-americano. As delegações aguardavam sentadas numa arquibancada de madeira, dispostas em ordem alfabética a chegada do General Comandante Militar do USARSO para dar início a cerimônia. Esta começou com a chegada do general em uma viatura oficial.

O general de quatro estrelas chegou e surpreendeu a todos pela jovialidade e simplicidade. A seguir, de uma aeronave militar saltaram vários pára-quedistas das Forças Especiais norte-americanas em salto livre, com seus uniformes pretos, trazendo a bandeira dos Estados Unidos, sendo que o oficial mais antigo trazia um fuzil garand atado ao lado do corpo. Após a aterragem o oficial entregava o fuzil ao general que disparou um tiro inaugural, seguido de uma forte explosão localizada atrás do alvo e todos os alvos levantaram marcando um tiro no centro do alvo. Uma forma inédita para nós brasileiros de realizar a abertura de um campeonato de tiro.

5. POLÍGONO DE TIRO

O polígono “Emperator” estava situado no campo de instrução e era construído ao ar livre com 40 postos de tiro. Os atiradores se colocavam sobre uma berna de grama,  cerca de 3 metros de largura, em distâncias variadas de 200, 300 e 500 jardas. Havia uma torre elevada na linha de tiro com ampla visibilidade para o diretor da prova comandar as provas com total segurança. Duas enormes bandeiras vermelhas se localizavam nas extremidades da trincheira e serviam para o atirador observar o “valor” e a direção do vento, essenciais para o tiro à longa distância.

Várias barracas eram armadas na linha de tiro recuada (500 jd) para os atiradores fugirem do sol inclemente do Panamá e descansarem durante o almoço servido em um “comedouro” ou em viaturas para a venda de sanduíches e refrigerantes. Havia também uma barraca do posto de saúde para o atendimento do pessoal com problemas de desidratação. Ao serem chamados os atiradores se deslocavam das barracas e se dirigiam para a “linha de fogo”, acompanhados de um “coach”, aguardando os comandos de tiro do diretor da prova. 

6. SEMANA DE TREINAMENTO

Nesta semana de treinamento era ministrada uma clínica de tiro sobre as provas, com técnicas das posições, obtenção do “zero” da arma, em cada posição, avaliação do valor do vento, regras e solicitação de “álibi”, pedido de interrupção válida devido à quebra de arma ou do alvo. A clínica era ministrada normalmente por monitores, sargentos da unidade sediada no Fort Benning denominada “marksmanship”

Esses militares eram monitores do Exército Norte-americano, estavam baseados no Fort Benning e possuíam larga experiência de guerra, pois haviam lutado na Guerra do Vietnam. Cada equipe recebia um sargento “marksmanship” para acompanhar e orientar os atiradores durante as provas realizadas. Cada “marksman” trabalhava com a nossa equipe e era de grande valia na avaliação do valor do vento (direção e intensidade), além de auxiliar o nosso “coach” o Capitão JOSÉ TAROUCO CORREA, que realizou um excelente trabalho nesta função. Nos intervalos das provas, procurávamos esses militares para ouvirmos suas histórias e as suas experiências de guerra como “snipers” contra os vietcongs.    

7. CARACTERÍSTICAS DAS PROVAS

A principal característica das provas é que não havia tiros preliminares de ensaio, tendo em vista o caráter militar da competição onde todo militar deveria saber o “zero” de sua arma, clicar para a correção do vento e clicar em altura para as distâncias maiores. As provas eram divididas em provas individuais e por equipe Cada equipe era formada por seis (6) atiradores e o valor total era a soma dos seis competidores.

a.      As provas individuais eram numeradas 1, 2, 3, 4 e 5, na seguinte ordem:

 Prova 1)  Em pé tiro lento, 20 tiros em 20 minutos, na distância de 200 jardas;

Prova 2 Partindo da posição em pé e ao subir os alvos a 200 jardas, cada atirador deve disparar duas séries de 10 tiros em 50 segundos na posição sentado, disparando inicialmente dois tiros, recarregando os oito tiros restantes;

Prova 3) Partindo da posição em pé e ao subir os alvos a 300 jardas, cada atirador deve disparar duas séries de 10 tiros em 60 segundos na posição deitado, disparando inicialmente dois tiros, recarregando os oito tiros restantes;

Prova 4)  Deitado em tiro lento, 20 tiros em 20 minutos, na distância de 500 jardas

Prova 5)  Somatório das provas 1,2,3,4

b.      As provas por equipe (atiravam todos 6 atiradores) eram numeradas na seguinte ordem:

Prova 6) Somatório das provas rápidas com 10 tiros na posição sentado e 10 tiros na posição deitado rápido;

Prova 7) Somatório das provas de precisão com 10 tiros na posição em pé e 20 tiros na posição deitado

Prova 8) Somatório das provas rápido com a precisão (a prova mais importante). O (Exército Brasileiro sempre disputou com o Exército da Colômbia o primeiro lugar durante anos desta competição).

No próximo artigo veremos a parte técnica da competição e os benefícios para o tiro militar brasileiro.

 


MEDALHAS INDIVIDUAIS DE CAMPEONATO PAN AMERICANOS

(1970 -1971 – 1972 – 1973 – 1974)

 


1970 – Ferreira - 3º lugar individual

 

 


por Eduardo Ferreira
Recordista e campeão brasileiro de armas longas da CBTE e das Forças Armadas. Ex vice-presidente da CBTE e da federação do DF, ex presidente das federações do RJ e CE, e diretor das federações da PB e RS. Autor de "Arma Longa", "História do Tiro" e “Manual de Organização de Provas de Tiro”. Ex-coordenador do Curso de Educação Física da Faculdade da Grande Fortaleza. Secretário-Executivo da CDMB. Agraciado com a Medalha do Mérito Desportivo Militar pelos relevantes serviços prestados ao Desporto Militar.
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