Eduardo Ferreira
(ferreiraedu@terra.com.br)

1935 – Participação Brasileira nos Jogos Olímpicos de Berlim

1. Recriação da Federação Brasileira de Tiro (FBT)
A Confederação Brasileira de Desportos (CBD) diante das pressões das entidades desportivas nacionais e reconhecendo não ter as condições ideais para dirigir todos os esportes amadores, acabou cedendo aos insistentes apelos dos dirigentes do Tiro ao Alvo que desejavam o retorno do Tiro Esportivo totalmente independente, gerando os próprios recursos, traçando o seu destino.

Efetivamente a CBD não reunia as melhores condições políticas, financeiras e técnicas para dirigir o desporto amador brasileiro, como ficou bem demonstrado diante do fracasso das equipes que participaram dos Jogos Olímpicos de Los Angeles em 1932. Acabou cedendo seu espaço, corretamente, para o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), que trouxe grandes benefícios para os esportes olímpicos.

A carência de recursos destinados às modalidades desportivas nacionais, a grande extensão territorial do Brasil, dificultando as comunicações entre os grandes centros e federações, a insensibilidade e incompetência de certos dirigentes para com os esportes menos populares, foram alguns dos fatores que levaram a maioria dos desportos amadores a se desfiliar da Liga de Esportes nos anos 30.

Assim, a 10 de julho de 1935, foi novamente recriada a Federação Brasileira de Tiro (FBT), sendo eleito para dirigi-la o Dr. Afrânio Antônio da Costa, mais uma vez convocado por seus companheiros para reestruturar o Tiro Esportivo no País. As associações carioca, fluminense, mineira, paranaense e gaúcha se filiaram à nova entidade recentemente criada, que procurou orientá-las segundo as normas preconizadas pela União Internacional de Tiro (UIT).

2. PROVAS POR CORRESPONDÊNCIA
A falta de recursos para organizar provas internacionais no Brasil e de enviar a nossa delegação para participar de provas no exterior, fez com que Dr. Afrânio utilizasse um meio comum naquela época nos países europeus – provas disputadas por correspondência. A FBT usando de imaginação e criatividade expediu vários convites às federações internacionais de tiro propondo a realização de provas por correspondências. Essas provas deveriam ocorrer no mesmo dia e as federações após a realização das provas trocavam correspondências enviando os resultados de seus atiradores.

Essa medida veio de certa forma motivar e manter treinados os nossos atletas, por intermédio desse confronto de resultados, e dessa maneira puderam se preparar para as Olimpíadas de Berlim que já estavam próximas. Aproveitando a inauguração do novo estande de tiro do Fluminense, construído em 1934, com base no projeto do engenheiro Dr. José Salvador Trindade, e com recursos levantados pelos próprios atiradores tricolores, a FBT organizou uma prova de carabina deitado por correspondência, contra a forte equipe da Alemanha.

Contando com a presença do embaixador alemão que deu mais autenticidade à prova, a equipe brasileira representada por atiradores do clube do FFC sagrou-se campeã do torneio com os seguintes resultados:
• Manuel Costa Braga – 295 pontos
• Antônio Martins Guimarães – 292 pontos
• Harvey Dias Villela – 291 pontos

Nesse mesmo ano (1935), um novo torneio foi acordado entre a equipe brasileira e dessa vez contra a equipe da Finlândia, considerada como uma das melhores do mundo. Nova vitória da equipe brasileira com os seguintes resultados individuais:
• Daniel Amaral – 296 pontos
• Antônio Martins Guimarães – 294 pontos
• Manuel Costa Braga – 294 pontos

3. JOGOS OLÍMPICOS DE BERLIM
a. Dissenções político-desportivas
Os preparativos para as Olimpíadas de Berlim, a exemplo do que aconteceu nos Jogos de Los Angeles, transcorreu em ambiente carregado e cheio de mal-entendidos e divergências entre os dirigentes do esporte amador no Brasil.

A razão principal deveu-se ao fato de ter sido fundado e reconhecido o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), em 1935, sob a chefia do esportista Arnaldo Guinle, e a recusa da CBD em aceitá-lo como único e legítimo representante do esporte olímpico nacional, pois ainda mantinha ligações com as entidades desportivas internacionais. A CBD se julgava com plenos direitos de convocar os atletas e de enviá-los aos Jogos, e assim procedeu. Por sua vez, o COB não aceitou se submeter à CBD e também tratou de formar as suas equipes e de treinar os seus atletas. Por incrível que possa aparecer, o Brasil acabou enviando duas delegações para as Olimpíadas de Berlim

O impasse somente foi resolvido pelo Comitê Organizador da Alemanha, às vésperas do início das Olimpíadas, e o bom senso acabou prevalecendo, com as duas entidades se unindo e aceitando a decisão do Comitê Alemão, permanecendo a delegação brasileira unificada com 72 atletas sob o comando do COB.

Obviamente que todas essas desavenças, de certo modo, acabaram prejudicando algumas equipes e atletas. O Tiro permaneceu desde o início ao lado do COB, devido à antiga amizade que unia o Dr. Afrânio Costa ao Dr. Arnaldo Guinle, desde a época que ambos foram dirigentes do Fluminense, e, além disso, a desorganização demonstrada pelos membros da CBD, quando da escalação da equipe de tiro nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, não tinha sido esquecida por Afrânio.

De caráter impulsivo e excessivamente centralizador, Afrânio sempre foi muito cioso de suas obrigações e de seus encargos de chefia, em todas as entidades que dirigiu, mantendo os seus pontos de vista com muita convicção e objetividade. Além do que, não tinha o hábito de esquecer com facilidade os seus adversários. Apesar de ter sido considerado um indivíduo seco, obstinado e vaidoso, nunca permitiu o desvio do esporte nacional das normas preconizadas pelas entidades internacionais (UIT), preservando-o dos inexperientes, incompetentes e interesseiros dirigentes esportivos brasileiros.

b. Seleção dos atletas
A Federação Brasileira de Tiro realizou no mês que antecedeu ao embarque da delegação uma eliminatória com índices pré-fixados. Foram convocados os melhores atiradores das federações e, após a seleção, os atiradores continuaram treinando no estande do Fluminense.

Assim ficou a nossa equipe ficou constituída:
1) Carabina Deitado
• José Salvador Trindade
• Antônio Martins Guimarães
• Manuel Costa Braga
2) Pistola Livre
• Harvey Dias Villela

c. Realização das provas
Há vários anos a Alemanha vinha se preparando meticulosamente para a organização dos Jogos Olímpicos de Berlim. Impedida que fora de realizar as Olimpíadas de 1916, devido a I Guerra Mundial, ela dedicou uma atenção toda especial à organização desse evento.

Hitler pretendia fazer desta Olimpíada uma poderosa arma de propaganda política do Nazismo, às 48 nações participantes e determinou ao seu Comitê Organizador para que realizasse a melhor das Olimpíadas do século. Nada poderia faltar às instalações desportivas e ao preparo técnico de seus atletas, que deveriam mostrar ao mundo a superioridade da raça ariana nas pistas e quadras.

Como é do conhecimento da História, o atleta negro norte-americano Jesse Owens acabou derrubando esta última tese, ao vencer várias provas de atletismo. Entretanto os Jogos Olímpicos de Berlim foi uma das mais bem organizadas Olimpíadas, impressionando a todos que assistiram e que participaram.

Na Cerimônia de Abertura, os alemães incorporaram à solenidade: a condução da tocha olímpica pelo atleta mais destacado, o hasteamento da bandeira olímpica, com seus aros entrelaçados simbolizando os cinco continentes e a famosa saudação nazista, executada inocentemente por algumas equipes presentes.

As provas de tiro foram disputadas em espaçosos e modernos estandes especialmente construídos para os Jogos, sob os mais severos requintes técnicos da época, com proteção para o vento e frio e dotado de boa luminosidade.

Os resultados obtidos nas três provas disputadas foram considerados excelentes, sendo que a pontuação do atleta sueco Torsten Ullman, na prova de pistola livre (559 pontos), levou 24 anos para ser superado.

A participação brasileira pode ser considerada muito boa, e por muito pouco José Salvador Trindade não obteve uma medalha para o Brasil. Juntamente com o atleta Sílvio Magalhães Padilha, mais tarde, Presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, ambos foram os destaques brasileiros nestas Olimpíadas e se classificando em 5º lugar.

Convém ressaltar que Salvador fez o mesmo resultado do vice-campeão Ralf Berzseny com 296 pontos. No desempate, decidido pelo critério do tiro mais distante do centro (10), José Salvador Trindade acabou em quinto lugar.
Os resultados foram os seguintes:
1) Carabina Deitado (65 atletas) – 30 tiros
1º Willy Rogerberg NOR 330 (*)
2º Ralf Berzseny HUN 296
3º WladislawKaras POL 296
(*) Novo recorde mundial
Os brasileiros concorreram contra 18 equipes e obtiveram o 9º lugar.
5º José Salvador Trindade 296
23º Antônio Martins Guimarães 292
51º Manuel Costa Braga 287
Na prova de pistola livre, onde concorreram 60 atletas, Harvey Villela disputou esta modalidade, ficando em 25º lugar, com 515 pontos.

O Tiro, sob a chefia da recém criada entidade (FBT), dava os seus primeiros passos esportivos e ressurgia como uma nova esperança.


por Eduardo Ferreira
Recordista e campeão brasileiro de armas longas da CBTE e das Forças Armadas. Ex vice-presidente da CBTE e da federação do DF, ex presidente das federações do RJ e CE, e diretor das federações da PB e RS. Autor de "Arma Longa" e "História do Tiro"
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