Eduardo Ferreira
(ferreiraedu@terra.com.br)

1932 - Participação Brasileira nos Jogos Olímpicos de Los Angeles

1. Jogos Olímpicos de Los Angeles
Nós vimos no artigo passado que o Tiro Esportivo havia perdido a sua autonomia e estava subordinado à CBD, por intermédio da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos, uma simples entidade desportiva da capital federal, encarregada de dirigir todos os esportes amadores do Distrito Federal.

A falta de incentivo, os parcos recursos para custear viagens, além da ausência de competições internacionais fizeram com que o nosso esporte sofresse um grande baque em sua importância e na perda de motivação dos nossos atiradores.

Embora a AMEA tenha se esforçado em promover campeonatos nacionais no Rio de Janeiro, a última competição internacional realizada havia sido na cidade do Rio de Janeiro em 1922 nos Jogos Latinos – Americanos e onde obtivemos importantes vitórias através do Tenente Guilherme Paraense e do Capitão Dilermando de Assis.

O País também passava por uma situação muito difícil, onde os nossos atiradores militares estavam muito empenhados com seus encargos profissionais, uma vez que o Exército Brasileiro estava totalmente envolvido com a missão de conter os inúmeros movimentos políticos ocorridos no período.

Havia, ainda, a carência de boas armas de tiro no mercado nacional, somente sendo encontradas no exterior e a preços muito elevados, fato que limitava o desempenho técnico dos atiradores brasileiros.

Diante de um quadro nada animador, a CBD resolveu promover às vésperas do embarque da delegação para as Olimpíadas uma campanha denominada “Quinzena Olímpica”, juntamente com os clubes e jornais do Rio de Janeiro, visando angariar recursos para a participação da delegação brasileira nos Jogos de Los Angeles. O próprio Presidente Vargas prestigiou o evento e assistiu o desfile que a delegação olímpica brasileira realizou no estádio do Fluminense, no dia 19 de junho de 1932. A campanha consistia na venda de selos olímpicos na sede da CBD e no “Jornal dos Sports”.

2. A Viagem da Delegação Brasileira
Por intermédio dos relatórios do Capitão Orlando, Chefe da delegação, da entrevista do 1º Tenente Antônio Ferraz da Silveira, capitão da equipe de tiro ao “Jornal dos Sports” e do relato do atirador de carabina Antônio Martins Guimarães, constatamos com tristeza o completo despreparo da nossa delegação e a falta de organização e inexperiência dos dirigentes da CBD, transformando a viagem numa aventura.

O testemunho de Guimarães foi muito importante para o resgate histórico do Tiro Esportivo, pois trouxe até nós fatos que esclarecem a melancólica participação da equipe nos Jogos: “O governo federal fretou o navio “Itaquicê”, do Loyd Brasileiro, para transportar a delegação nacional composta de 82 atletas brasileiros, 60 argentinos e 10 uruguaios, além de inúmeros dirigentes, num total de 375 pessoas, com destino à cidade de Los Angeles, sede do X Jogos Olímpicos. Juntamente com a nossa delegação e com objetivo de assegurar os recursos financeiros à manutenção dos nossos atletas em Los Angeles, o Itaquicê, por determinação do governo, transportava cerca de 50.000 sacas de café em seus porões para serem comercializados nos Estados Unidos.

Uma grande multidão curiosa e esperançosa compareceu ao cais do Porto do Rio de Janeiro, para assistir ao embarque da nossa delegação. A viagem foi longa e cansativa, com escala em diversos portos na costa brasileira, deixando os atiradores preocupados com a falta de treinos.

O primeiro contratempo sofrido pela nossa delegação ocorreu no Canal do Panamá, quando as autoridades aduaneiras daquele país apreenderam o Itaquicê por suspeitas de contrabando, em virtude do grande carregamento de café conduzido em seus porões. Nem mesmo o fato do Itaquicê ter instalado dois canhões no seu convés, na tentativa de assegurar o direito e as prerrogativas de vaso de guerra, para se livrar das taxas alfandegárias internacionais, foi aceito pelas autoridades da Alfândega do Panamá. Pelo fato da delegação não dispor de quantia relativa para saldar a multa, foi necessária a intervenção da embaixada brasileira, providenciando os recursos para a liberação do navio e o prosseguimento da viagem.

A estada forçada veio de certa forma beneficiar os atletas, que aproveitaram os quatro dias de permanência “obrigatória” no Panamá para treinarem suas provas, juntamente com os atletas panamenhos.

Finalmente o Itaquicê foi liberado e pode seguir destino. No Mar do Caribe um novo contratempo: uma tempestade retardou ainda mais a viagem e mexeu com os nervos de alguns...

Chegando aos Estados Unidos mais problemas surgiram: os recursos que deveriam apóia as equipes com a venda do café não chegaram a tempo e um ambiente de pessimismo tomou conta de todos. Como custear a estada dos atletas na Vila Olímpica? A única solução encontrada pelos nossos dirigentes foi a de reduzir o número de atletas, escolhendo entre aqueles que tivessem maiores chances de obter medalhas nos Jogos...”

3. A entrevista do Tenente Ferraz
Para que se possa melhor avaliar o desempenho dos nossos atiradores nas provas de Los Angeles, foi de grande importância histórica a entrevista concedida pelo Tenente Antônio Ferraz ao Jornal “A Noite”, quando do seu regresso ao Brasil. Nessa entrevista, o Tenente Ferraz revelou o ambiente de intranqüilidade e insegurança vivido pela nossa equipe às vésperas do início das provas:

“Não pretendia tão cedo fazer declarações acerca do que aconteceu comigo e com o tiro nacional em Los Angeles. Aborrecera-me todo o acontecido, embora reconhecesse e sem modéstia, que toda a minha ação fora recalcada no objetivo único da colaboração aos meus companheiros. Vocês pedem, e eu não me recuso.

Quando chegamos a Los Angeles a confusão generalizou-se, em face da carência de recursos geraes, quando capacitei-me de que ao contrario das promessas o Itaquicê não poderia regressar tão depressa quanto era do desejo geral, decidi ainda com algum sacrifício, permanecer em Los Angeles com o objetivo de ensaiar para o torneio olympico. Fiquei só. Nenhum dos companheiros aderiu ao meu ponto de vista, confiante em demasia nas promessas de breve regresso...

Na tarde imediata à partida do nosso navio para São Francisco, no dia 25, portanto, fui ao estande oficial conhecê-lo, ver os alvos e estudar superficialmente os adversários. Levava a minha pistola Colt, de modelo antiquado, com pouca munição. Senti certa dificuldade neste primeiro ensaio percebendo nitidamente que alguns concorrentes troçavam da arma que utilizava.

Não desanimei, porém. Nos dias subseqüentes voltei ao stand para ensaiar, já familiarizado com os mexicanos, portugueses e italiano. Todos foram acordes, nesse dia, em avisar-me que a pistola era deficiente, nada poderia conseguir no torneio se insistisse na sua utilização.

Fiquei envergonhado de retornar ao stand com a minha pistola. No dia seguinte, dia 29, fui procurar o Capitão Orlando para que me autorizasse a comprar uma pistola Colt Woodsman, do mesmo modelo dos outros atiradores. Não havia dinheiro, mas obtive autorização para a compra, com indenização posterior. Fui procurar o comitê olympico. Três dias levei até que encontrei os dirigentes; expuz a minha pretensão. Anuíram, fornecendo-me um cartão para o chefe de polícia, após rápida palestra telephonica com o mesmo.

Fui à chefatura e depois de algum trabalho para fazer-me entender, entreguei o cartão ao chefe. Negou-me peremptoriamente, explicando que era contra a lei. Me desanimei completamente. No dia imediato fui à Villa Olympica e casualmente toquei no assumpto com o Mr Brown; o problema ficou resolvido finalmente, comprometendo-se o Mr Brown a responsabilizar-se pela arma.

Somente no dia seguinte pude encomendar a arma. Justamente quando a chegada do empregado com a pistola, telephonaram para o bureau do Brasil; era o comitê de tiro que reclamava a inscripção do Brasil nos certames olympicos. Soube pelo Brown que eles estavam desapontados com nosso atraso, pois a nossa inscrição deveria ter sido entregue até 27 de julho, como as demais equipes, o que não acontecera.

Por consideração, haviam decidido conceder novo prazo até o dia 4, impreterivelmente, ao meio-dia. Estávamos no dia 4 e eram exatamente 12 horas e 10 minutos. Mr Brown indagou-me quaes os que estavam indicados para competir. Retruquei-lhe que eu era um simples atirador e não queria de modo algum envolver-me em questões de alçada alheia. Que fosse consultado o capitão Orlando; Brown não aceitou a recusa, pois o tempo urgia e não se sabia onde poderia estar o chefe da delegação, naquele instante. De ante disso observei o Mr Brown que poderia indicar alguns nomes, unicamente para atender a uma maneira de urgência, sem responsabilidade alguma.

A seguir indiquei o Magaldi, Amaral e eu para a pistola. Indiquei-me porque estava em Los Angeles, ensaiando com sacrifício, providenciando o que me era possível em favor dos companheiros. Para a carabina: o Costa Braga, Guimarães e o tenente Moacyr, três nomes realmente capazes. O tenente Moacyr também estava em Los Angeles e conseguira uma carabina por empréstimo, pertencente à equipe do México. Foi assim que a inscripção da nossa equipe foi feita, com a responsabilidade de Mr. Brown.

Não me exhimo, porém, de qualquer responsabilidade. Indiquei aqueles nomes de plena consciência do que estava fazendo, com pleno conhecimento do valor de cada um. Na tarde desse mesmo dia 4, fui ao stand com a pistola nova. No dia seguinte, à noite soube que o navio regressaria inesperadamente; encontrei o Costa Braga que me transmitiu um recado do Dr. Afrânio”. “Disse-lhe que não poderia ir a bordo, pois perderia muito tempo e sacrificaria o treinamento”

Convém abrir um parênteses no relato do tenente Ferraz para lembrar aos nossos leitores que o Dr. Afrânio havia sido especialmente convidado pela CBD para ser o representante do Governo junto à Delegação Brasileira nos Jogos de Los Angeles.

“Estávamos a cinco dias do torneio Soube depois que a direção resolvera alojar os atiradores na Villa Olympica. Já era sabedor que o Dr. Afrânio desligara-se da equipe contrariado com a escalação.

No dia 8 de agosto, antes do primeiro ensaio, todos os atiradores foram ao meu alojamento, incorporados, impondo-me a capitania do team nacional. Agradeci a homenagem dos meus companheiros e expliquei-lhes toda a situação e o que nos restava fazer naqueles três únicos dias de ensaio. Iríamos concorrer apenas sem a menor chance. Não os larguei mais, facilitando tudo quanto estava ao meu alcance. Treinamos com afinco, mesmo sacrificados por uns tantos detalhes materiais, aproveitando um máximo daquele prazo mínimo. Foi assim que competimos; eu com meia dúzia de ensaios e os outros com três apenas.

O resto já se sabe; na pistola, por azar, o Magaldi e eu ficamos juntos para atirar com a mesma arma. Que coisa dolorosa; processos diferentes no dia de prova. O pobre Magaldi falhou logo, assustando-se com a brusca mudança de alvos; eu fui a seguir incidindo na mesma falta, mais tarde seria a vez do Amaral.

Veja que espécie de tiro; os americanos que participaram do certame, foram selecionados a quatro anos, em um torneio que reuniu 308 atiradores dos mais hábeis. Pertencem todos ao Revolver Association e durante todo esse tempo treinaram permanentemente com armamento especial e munição fornecida pelo governo. Nada fizeram, como nós, é um tiro de sorte unicamente!

Depois da prova fomos cumprimentar Morigi, o formidável italiano vencedor. Mostrava-se surpreso com o resultado que conseguira. Na presença de todos disse que considerava os brasileiros ótimos atiradores, surpreendendo-se com a nossa abnegação; em país algum, nenhuma equipe seria capaz de entrar num torneio com uma única pistola. Tivemos, dizia ele, duas pistolas do último tipo e 20.000 tiros, além de uma ajuda de 1.000 dólares para cada um.

Na prova de carabina também a sorte não nos ajudou e o nosso pessoal não foi bem; perdemos assim os dois torneios, quando poderíamos ter feito uma boa figura. È tudo quanto tenho a dizer...”

4. A Competição
A competição reuniu nove países, com cada equipe podendo inscrever três atiradores por modalidade. O Brasil somente participou das provas de “carabina reduzida” e de “pistola rápida às silhuetas”.

Como foi observado no relato de Ferraz, a escalação das equipes foi feita em cima da hora, momentos antes de expirar o novo prazo para a inscrição dos atletas e mesmo assim por intermédio de um dos atiradores.

A prova de carabina foi realizada no Elysian Park e teve como novidade a apresentação do novo alvo americano, desconhecido da maioria dos atiradores, com dez zonas circulares e com um centro menor do que um níquel de cem réis. Os atiradores deveriam disparar trinta tiros na posição deitada, em seis séries de cinco tiros, e só poderiam reiniciar a nova série após a apuração e a troca de alvos da série anterior.

Vinte e seis concorrentes disputaram a prova tiro-a–tiro e ao final verificou-se um empate entre o sueco Ronmark e o tenente mexicano Huelt, sendo necessária realização de mais uma série entre ambos para decidir o primeiro lugar. Sagrou-se vencedor o sueco por quatro pontos de diferença. O resultado geral foi o seguinte:

a. Carabina reduzida - 50 metros – 26 atiradores
1º Bertil Ronmark SUE 294
2º Gustavo Huelt MEX 294
3º Zoltan Ruska HUN 293
Os brasileiros classificaram-se em último lugar, com a seguinte pontuação:
19º Manuel Costa Braga 284
21º Antônio Martins Guimarães 282
24º Ten Moacyr Castro 277

b. Pistola rápida às silhuetas – 25 metros – 17 atiradores
Nossa equipe classificou-se em último lugar com os seguintes resultados individuais:
14º Eugênio Caetano Amaral 17
15º Braz Magaldi 15
17º Antônio Ferraz da Silveira 15


por Eduardo Ferreira
Recordista e campeão brasileiro de armas longas da CBTE e das Forças Armadas. Ex vice-presidente da CBTE e da federação do DF, ex presidente das federações do RJ e CE, e diretor das federações da PB e RS. Autor de "Arma Longa" e "História do Tiro"
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