Planejamento
médico - preparo do atirador para a competição
Professor
Dr. Mário Carvalho Pini
Este
artigo, editado em 1977 na Revista da CBTA, diz respeito ao condicionamento
do atirador de equipe, envolvendo a preparação física,
psicológica e médica. Obviamente, ainda há
muito que se comentar sobre a deficiente preparação
técnica do atirador brasileiro “top de linha”,
com vistas às competições internacionais.
1.
INTRODUÇÃO AO PROBLEMA
A potência do organismo do atleta é uma condição
básica para o trabalho a ser por ele desenvolvido, com
vistas à sua preparação para a competição.
A melhoria dessa variável deve ser objetivo primordial
do técnico, pelo menos no início do preparo físico
a que o atleta deve se submeter. Obviamente, outros parâmetros
funcionais deverão ser também exaltados pelo treinamento
físico, principalmente os de natureza técnica e
psicológica, reservados, para etapas posteriores do processo.
Entretanto,
nas modalidades esportivas nas quais a habilidade, destreza e
perícia do atleta prevalecem sobre as demais qualidades
físicas como força, resistência ou velocidade,
num primeiro exame faz supor que o atleta possa relegar a um plano
secundário os cuidados que deve dedicar ao preparo da sua
condição física, cuja influência no
desempenho técnico parece não ter maior significado.
Nessas condições, o atleta de tais modalidades esportivas
não se preocupa com a sua condição física,
mantendo-a em níveis que correspondem aos de simples “conservação
da saúde” ou ao que ele chama de “bem-estar
geral”.
Essa
maneira de interpretar os fatos faz parte do consenso no ambiente
daquelas modalidades esportivas, entre as quais se situa o Tiro
ao Alvo.
A
favor dessa afirmativa, pelo menos em nosso meio, falam de maneira
eloqüente os resultados obtidos com os exames médicos
realizados com os atiradores nestes últimos anos, onde
a condição física e até mesmo o bom
estado de saúde têm apresentado níveis pouco
recomendáveis até para sedentários (quanto
mais para os atletas de uma elite nacional).
2.
DISPÊNDIO ENERGÉTICO NO TIRO AO ALVO
Considerando que apesar dessa modalidade esportiva ser incluída
naquelas em que a perícia desempenha papel relevante, é
necessário esclarecermos que esse conceito carece de completa
reformulação, pois o empenho muscular exigido do
atirador – tanto no treinamento quanto na competição
– chega a assumir, em alguns casos, proporções
dignas de nota.
Numa
rápida análise de uma das provas dessa modalidade
esportiva, por exemplo, a da carabina, poderemos melhor avaliar
a veracidade das nossas observações. A prova de
carabina tem um duração de mais de cinco horas.
Através de 120 tiros disparados em três posições
diferentes: deitado, pé e joelho. A arma pesa aproximadamente
oito quilos e é armada e disparada no mínimo 120
vezes, sem contar, naturalmente, os tiros disparados a título
de “aquecimento”, antes do início da prova.
Pois bem: carregar a arma, colocá-la em posição
de tiro, efetuar a pontaria, executar o tiro e controlar o seu
resultado, é uma tarefa complexa e emocionante que, repetida
grande número de vezes, acaba tornando-se cansativa.
Portanto,
sem entrarmos no mérito da influência de outros fatores
representados pelas condições ambientais, pela sobrecarga
emocional suscitada pela competição e pela hipoglicemia
que pode se instalar após tantas horas de atividade física
e mental, somente o trabalho muscular desenvolvido pelo atirador
nas manobras que envolvem cada tiro disparado representa no total
um dispêndio energético que não poderá
ser esquecido em seu preparo físico para enfrentar a competição.
Assim sendo, o atirador com baixa condição física,
apresentará, após as primeiras horas de competição,
um inevitável decréscimo no rendimento do seu desempenho
técnico em conseqüência da fadiga que se instala
lenta e paulatinamente no seu corpo.
3.
MODIFICAÇÕES PROPOSTAS
Com base nas observações realizadas nesta modalidade
esportiva, nos é permissível sugerir modificações
no preparo geral do atirador brasileiro para que possa enfrentar
competições. Essas modificações envolvem
três aspectos fundamentais, representados pela condição
física, pelo condicionamento psicológico e pela
alimentação.
Condição
Física
Já concluímos, fisiologicamente falando, que a manutenção
da habilidade do atirador após muitas horas de competição
depende, em última análise, da potência e
da resistência que ele tenha. Como o atleta do Tiro (salvo
raras exceções) apresenta condição
física baixa, é natural que possa acrescentar uma
queda do seu rendimento técnico após as primeiras
horas de competição. Nessas condições
há necessidade do atirador submeter-se a um treinamento
físico diário, simultâneo ao treinamento técnico.
Esse treinamento físico – que deverá se desenvolvido
individualmente – tem por objetivo atingir os seguintes
pontos principais: eliminar excesso de peso; aumentar a resistência
cárdio-respiratória ao trabalho muscular; eliminar
as deficiências setoriais que comprometam o bom funcionamento
orgânico ou saúde dinâmica.
Programa
de Treinamento Físico
O desenvolvimento de um programa de treinamento físico
subentende que o atleta já tenha se submetido a um exame
médico completo e tenha sido liberado pelo médico
para a sua realização.
Assim,
independente de outras atividades físicas esportivas (natação,
ciclismo, tênis, voleibol, basquetebol, etc) eventualmente
por ele praticadas, aconselhamos que realize também outros
tipos de atividades físicas que possam ser praticadas em
qualquer local. Tratam-se de atividades físicas naturais,
representadas pela caminhada e pela corrida.
Técnicas
de caminhar ou correr
Antes de recomendar a um indivíduo que caminhe ou corra,
precisamos orientá-lo sobre problemas articulares e musculares
que possam surgir, em conseqüência de uma grande inatividade
nesses setores e que precede o treinamento em questão.
Portanto, um período de adaptação de um a
dois meses de vê ser observado nessa iniciação,
com intervalos maiores entre uma sessão e outra de treinamento.
Durante
a caminhada (que deve ser vigorosa) ou a corrida (que deve ser
suave , moderada) ou na forma mista (andar e correr), deve ser
estabelecido um ritmo respiratório coordenado com as passadas.
Por exemplo: três a quatro passos inspirando, três
a quatro passos expirando (expiração forçada).
Na técnica mista, isto é, caminhar e correr através
alternâncias, deve-se correr cem a duzentos metros, andar
cinqüenta a cem metros, até que melhorem o ritmo respiratório
e a freqüência cardíaca.
A
determinação do tempo e da distância no treinamento
dependem do padrão estabelecido para cada um. Devem ser
crescentes até um limite máximo ideal, de acordo
com o sexo, idade e peso do atleta, para que provoquem os efeitos
desejados do treinamento. Aconselhamos trinta minutos para o tempo
e quatro a cinco mil metros para a distância como limites
máximos a serem cumpridos, diariamente ou três a
quatro vezes por semana.
Quando
as condições cardio-respiratórias e a resistência
muscular dos membros inferiores estiverem adaptadas ao trabalho
físico programado, a corrida contínua representa
o melhor método de treinamento. Naturalmente, o ritmo deve
ser individualizado, com dez a trinta minutos de duração,
realizada diariamente ou a cada dois ou três dias.
Controle
Médico
A condição cardio-respiratória acompanhada
de um controle eletrocardiográfico dinâmico, além
de outros exames que se fizerem necessários (de acordo
com cada caso), devem ser feitos a cada seis meses.
Condicionamento
Psicológico
A influência do fator psico-emocional no resultado das competições
esportivas é um assunto por demais estudado e debatido
no meio esportivo. Em algumas modalidades esportivas, entretanto,
a sua influência é muito marcante para o desempenho
do atleta, com efeitos decisivos para o resultado final das disputas.
Entre estas últimas situa-se o Tiro, onde o atleta necessita
de um controle absoluto sobre o seu sistema nervoso e sobre a
sua conduta, frente à prova e aos seus adversários,
isto é, à competição.
Portanto,
além do preparo físico e técnico, o atirador,
mais do que qualquer outro atleta, necessita também estar
preparado psicologicamente para a competição. Esta
preparação base-se num verdadeiro condicionamento
psicológico do atleta para enfrentar a competição.
Será estudado e planificado por psicólogo experiente,
o que certamente irá contribuir de modo favorável
para o resultado final de que trata este planejamento.
Será
estudado e planificado por psicólogo experiente, o que
certamente irá contribuir de modo favorável para
o resultado final de que trata este planejamento.
Cuidados
Alimentares
Em que pese a importância de bons hábitos alimentares
do atleta durante a fase de treinamento, com os cuidados alimentares
que dizem respeito este planejamento, pretendemos dar maior ênfase
a dois aspectos do problema em estudo: alimentação
antes da competição e alimentação
durante a competição.
Alimentação
antes da competição
As provas de Tiro podem se realizar pela manhã ou à
tarde. Em qualquer dos dois casos, a refeição que
precede a competição de e ser de natureza leve,
de fácil digestão e realizada duas a três
horas antes do início da prova.
Há atiradores que iniciam a prova da manhã em absoluto
jejum. Mau hábito que deve ser modificado, pois experiências
realizadas com esses atletas revelaram uma notável diminuição
da glicemia (ao iniciarem a prova) que alcançou, posteriormente,
níveis estacionários mais elevados.
Alimentação
durante a competição
Corresponde a uma pequena refeição no meio da competição,
constando de uma bebida acompanhada por uma ou duas bolachas.
A bebida poderá ser: chá quente ou frio (de acordo
com a temperatura ambiente), adoçado normalmente: café
quente ou um refrigerante. Somos mais favoráveis ao chá
morno com bolachas.
Experiências
realizadas com atiradores, em relação a este tipo
de alimentação durante a prova, demonstram que todos
apresentaram aumento da glicemia durante o restante da prova,
que assim se manteve até o final da mesma.
Está
hoje perfeitamente estabelecido, em Medicina do Trabalho, que
a hipoglicemia conduz à diminuição do rendimento
do trabalho executado e ao aumento da infortunística no
trabalho, em conseqüência do cansaço muscular
e mental que se instala, da diminuição da acuidade
das qualidades sensoriais e da capacidade de concentração,
bem como pela instalação de uma sensação
de desconforto que leva o indivíduo a tornar-se mal-humorado
e mais irritável.
Se
nos fosse permissível inferir sobre a relação
que possa existir entre o nível glicêmico e “performance”esportiva,
certamente seríamos defensores de uma glicemia normal ou
até um pouco aumentada, no início e durante toda
a realização da prova. Assim, estaríamos
jogando com um fator fisiológico que só poderá
favorecer o bom funcionamento orgânico geral e, consequentemente,
a obtenção de melhores resultados esportivos. Nessas
condições, recomendamos:
a.
que o atleta nunca inicie uma prova em completo jejum;
b. que a alimentação que precede a competição
seja de natureza leve, facilmente digerível e feita duas
a três horas antes do início da prova; e,
c. que no meio da competição o atleta faça
uma pequena refeição, como a indicada anteriormente.