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MANDATO CASSADO DO ATUAL PRESIDENTE DA CBTE E DEMAIS ÓRGÃOS ELEITOS

“...Ex positis, voto pelo provimento do agravo de

instrumento, para deferir o pedido de tutela antecipada

inaudita altera parte, nos termos da petição inicial,

declarando nula a Assembléia Geral Extraordinária da

Confederação Brasileira de Tiro Esportivo, realizada em

05.03.2009, conforme cópia da ata juntada às fls. 75/77.

Por conseqüência, cassa-se o mandato do atual Presidente e

demais órgãos eleitos, nomeando-se um administrador

judicial para gerir interinamente a entidade, que deverá

convocar nova AGE no prazo limite de 3 meses...”

Desembargador Mario Guimarães Neto

relator

Leia na integra,

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

12ª CÂMARA CÍVEL

DESEMBARGADOR MARIO GUIMARÃES NETO

AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 2009.002.25620

ORIGEM: 14ª VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL

AGRAVANTE: FEDERAÇÃO CATARINENSE DE CAÇA E TIRO ESPORTIVO

AGRAVADO: CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TIRO ESPORTIVO CBTE E

OUTRO

EMENTA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – TUTELA ANTECIPADA –

AÇÃO ANULATÓRIA DE ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA -

ELEIÇÃO DE PRESIDENTE E CORPO DIRETIVO DA

CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TIRO ESPORTIVO – EFICÁCIA

HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – INFORMATIVO

405 DO STF – OPOSIÇÃO DE LIMITES CRIADOS POR DIREITOS

FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE DIREITO PRIVADO –

MITIGAÇÃO DA LIBERDADE E AUTONOMIA DA VONTADE PELA

PREVALÊNCIA DE INTERESSES CONSTITUCIONAIS CONSAGRADOS

COMO RESERVA MÍNIMA DE VALORES DA RELAÇÃO JURÍDICA –

POSSIBILIDADE DE CONTROLE DE ATOS ABUSIVOS PRATICADOS

INTERNA CORPORIS NAS ENTIDADES PRIVADAS – CERCEAMENTO

DO DIREITO DE ACESSO AOS DOCUMENTOS REFERENTES À

REGULARIDADE DAS FEDERAÇÕES HABILITADAS PARA EXERCER

O DIREITO DE VOTO – TRATAMENTO IGUALITÁRIO DISPENSADO

A PESSOAS DESIGUAIS - GRAVE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO

CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE – ART. 5º, CAPUT, DA

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – FLAGRANTE NULIDADE DA

ASSEMBLÉIA – MODULAÇÃO TEMPORAL DA NULIDADE –

EFICÁCIA PROSPECTIVA – POSSIBILIDADE – PRESERVAÇÃO DA

SEGURANÇA JURÍDICA DOS ATOS CELEBRADOS COM TERCEIROS

DE BOA-FÉ – NECESSIDADE DE INTERVENÇAÕ DE UM

ADMINISTRADOR JUDICIAL – DELEGAÇÃO DA ATRIBUIÇÃO PARA

O JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU - PROVIMENTO DO RECURSO.

A=C=O=R=D=A=M, os Desembargadores que integram a 12ª Câmara

Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,

por unanimidade de votos, conhecer e prover o recurso, na

forma do voto do relator.

Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 2010.

DESEMBARGADOR MARIO GUIMARÃES NETO

Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

12ª CÂMARA CÍVEL

DESEMBARGADOR MARIO GUIMARÃES NETO

AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 2009.002.25620

ORIGEM: 14ª VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL

AGRAVANTE: FEDERAÇÃO CATARINENSE DE CAÇA E TIRO ESPORTIVO

AGRAVADO: CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TIRO ESPORTIVO CBTE E

OUTRO

1. Relatório.

Inconformado com a decisão de fls. 223, que

indeferiu o pedido de tutela antecipada, interpôs a

recorrente o presente agravo de instrumento, postulando

pela antecipação dos efeitos da tutela, para que seja

anulada a Assembléia Geral Extraordinária de eleição do

atual Presidente da 1ª agravada e seu corpo diretivo, assim

como suspensos os efeitos dos atos praticados por seu

representante.

Em síntese, sustenta o agravante que, a despeito

do alarme feito na medida cautelar inominada de suspensão

da AGE, apenas 5 Federações atenderam aos requisitos

exigidos para o exercício do direito ao voto.

Brevemente relatados, decido.

2. Fundamentação.

Dado o alto grau indiciário de irregularidades

cometidas na Assembléia Geral Extraordinária do agravado, o

objeto recursal não demonstra maior complexidade, havendo

forte jurisprudência sobre a base jurídica da pretensão

recursal.

Quanto à matéria de fato, não trata a petição

inicial de episódio estranho a este Relator, porquanto ele

conheceu, sumariamente, de ação de cunho parecido movida

anos atrás contra essa mesma Confederação, e à época já se

revelavam fortes indícios de que as reuniões de eleição do

seu corpo diretivo não eram realizadas harmonicamente, ao

menos em face de um item principal, que é a discussão sobre

o exercício do direito de voto de cada Federação, a

demandar a análise dos requisitos exigidos para que o

exercício desse direito seja regular, dependendo da prova

de quitação das diversas obrigações sociais, fiscais e

institucionais de cada Federação.

Traçando um breve retrospecto dos fatos, a

agravante propôs uma medida cautelar inominada perante o

juízo a quo, em 04 de março de 2009, pugnando pelo

impedimento do direito de voto das Federações Paranaense de

Tiro Esportivo, Tocantinense de Caça e Tiro Esportivo e a

Norte Riograndense de Tiro Esportivo, desde que não

preenchessem os requisitos constantes dos arts. 67, incisos

X e XI, do Estatuto da Confederação agravada. Foi pleiteado

também a indicação de um fiscal para apuração das

documentações das demais entidades federadas, de modo a

permitir que não fossem computados votos de entidades

impedidas de votar.

A liminar foi indeferida pelo juízo a quo, nos

termos de decisão cuja cópia foi juntada ao recurso às fls.

30, sob a ressalva de que na ocorrência de qualquer

irregularidade ou ilicitude de atos de seus legítimos

administradores, inclusive assembleares, poderão ser

tornados plenamente nulos de pleno direito, respondendo

aqueles civil e penalmente na conformidade de sua conduta

funcional”.

Ocorrida a Assembléia, o agravante deparou-se

com diversas irregularidades, restando a ele, a partir de

então, deduzir um novo pedido de socorro ao Poder

Judiciário, agora, então, não mais de forma preventiva, mas

com o objetivo de remediar o mal causado a diversos entes

federados, como foi feito nos termos da petição inicial,

cópia juntada às fls. 32/45.

Em suma, sustenta o agravante que as Federações

não tiveram acesso prévio às documentações que comprovariam

a regularidade das Federações habilitadas para votar,

alegando que os documentos só foram franqueados após a

reunião e escolha do novo corpo diretivo, inclusive o novo

Presidente da Confederação, ocasião em que foi lavrado uma

ata de conferência de documentação, cópia juntada às fls.

79/81.

Durante muito tempo as pessoas abusavam da

morosidade da Justiça para conquistar objetivos defesos

pela lei, ou que, pelo menos, passavam ou à sua margem, ou

subjacente à sombra da dúvida de sua legalidade.

Em que pese o problema da lentidão de alguns

processos ainda não tenha sido totalmente saneado, hoje, a

expectativa de um Judiciário letárgico não mais condiz com

o espírito da prestação jurisdicional, cuja busca por

medidas céleres e eficazes à melhor tutela do direito

consiste em importante paradigma constitucional, tratandose

de importante direito fundamental (CF, art. 5º,

LXXVIII).

Hoje em dia evita-se um provimento jurisdicional

que se volte para trás, não mais se buscando frustradamente

indenizar uma parte por algo que não houve tempo de se

socorrer; os novos dias reluzem a vontade cada vez mais

pujante de inibir quanto rapidamente possível os atos

atentatórios ou abusivos de direito, relegando para um

plano mediato as perdas e danos.

A eleição do corpo diretivo da agravada foi

claramente marcada por irregularidades no tocante ao

franqueamento aos entes federados da documentação

necessária à habilitação ao direito de voto, considerando

que, nos termos de seu Estatuto, ele se condiciona ao

preenchimento de certos requisitos e ao cumprimento de

determinadas obrigações.

Permitir que o atual Presidente mantenha sua

gestão até que o mérito seja julgado, após toda a fase

instrutória, seria andar na contramão daquele paradigma de

que o processo deve olhar para a frente, evitando-se,

sempre que possível, o condão de remediar, e preferindo-se,

antes, o de prevenir.

Encerrada a fase instrutória, provavelmente o

próprio mandato do corpo deliberativo do agravado já terá

expirada a sua vigência, a prejudicar grande parte do

interesse processual do agravante, sem embargo do pedido de

dano moral, esse sim, pendente de ser investigado ao longo

da cognição exauriente.

Dessa forma, entendo que a tutela antecipada é

primordial para a subsistência do direito do recorrente,

que corre grande risco de sofrer danos irreparáveis ou de

difícil reversibilidade, a teor do art. 273, caput, do CPC.

O mérito do recurso envolve a questão acerca da

eficácia horizontal dos direitos fundamentais, postulado

que estuda os limites de ingerência de um direito

fundamental nas relações de direito privado, geralmente

marcado pela liberdade e pela autonomia da vontade dos

particulares.

O estudo do alcance dos direitos fundamentais

nas relações privadas foi objeto de grande controvérsia na

década de 50, como bem leciona o Min. Gilmar Mendes, ao

enfrentar o tema na sua obra sobre direitos fundamentais e

controle de constitucionalidade1.

Hoje, esse tema não é mais incógnito na

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pelo contrário,

consiste verdadeiro fenômeno de mutação da hermenêutica

tradicional, anacronicamente arraigada no pacta sunt

servanda e na intangibilidade da esfera particular, que

agora se volta aprioristicamente para a funcionalidade,

eticidade e socialidade do direito, consentâneo à sua forte

constitucionalização.

O agravante alega que diversas Federações

exerceram irregularmente seu direito de voto, haja vista

que, mediante a verificação superveniente da documentação

alusiva à regularidade de cada ente federado, constatou-se

que muitos não poderiam ter votado na escolha do novo corpo

diretivo da agravada.

De fato, decidir quem tinha ou não direito de

votar, em sede de cognição sumária, demandaria o implemento

prévio do princípio do contraditório, e ainda mais, o

chamamento ao processo de todas as Federações contra as

quais pesam acusações de estarem irregulares, que, no caso,

seriam litisconsortes necessárias (CPC, art. 47, caput).

1 [1] MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. Estudos de

Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2006. pgs. 120-121

Contudo, o pedido de tutela antecipada deve ser

interpretado dentro dos limites subjetivos da ação, que é

movida apenas contra a Confederação, e cuja causa de pedir

sustenta, primordialmente, o cerceamento do direito de

fiscalizar previamente a documentação das federações

votantes, a causar disparidade no tratamento entre elas, na

medida em que iguais e desiguais estariam sendo tratados da

mesma forma.

Não importa, agora, perquirir quem estava ou não

regular, ou fazer um juízo de mérito dos documentos, ainda

que de forma rarefeita.

O que deve ser aferido é se a eleição do novo

Presidente da agravada agrediu os direitos fundamentais dos

entes federados, aferindo se o exercício do direito de

votar de cada Federação, para escolha de seu representante

junto à Confederação, respeitou os limites impostos pelo

seu Estatuto Social, observados estejam os seus requisitos,

estes impostos pela lei ou por convenção das partes.

Se a regra do jogo dentro da Confederação, e

mesmo das leis que versam sobre o incentivo e fomento ao

esporte, consiste em apenas permitir o poder de mando de

Federações que cumpram o escopo para o qual foram criadas -

prestigiando aquelas que estejam em dia com suas obrigações

fiscais, sociais e institucionais-, não se pode duvidar que

impedir o acesso à documentação das Federações causa

inverossímil desequilíbrio na estrutura interna da

Confederação, já que os entes desiguais, refratários às

normas do Estatuto, estariam sendo tratados como iguais,

vilipendiando o princípio fundamental da igualdade (CF,

art. 5º, caput).

Para que iguais sejam tratados como iguais, e

desiguais como desiguais, era necessário franquear às

Federações, dentro de um prazo razoável, amplo acesso às

documentações de cada uma, para que fosse implementado uma

fiscalização recíproca, de forma saudável e consentânea com

o espírito de um corpo associativo; afinal de contas,

estamos tratando de uma Confederação Desportiva de

abrangência nacional!

Da análise dos documentos que constam dos autos,

e a despeito do alarme feito pelo agravante na medida

cautelar preparatória, não foram observadas cautelas

mínimas de proteção ao franqueamento dessas documentações –

as quais, com acima visto, são essenciais para o tratamento

isonômico dentro da Confederação.

Às fls. 74 consta cópia de informação fornecida

em sítio da internet de domínio da agravada, em que se

infere a predisposição da Confederação em apenas fornecer

os documentos “no dia da Assembléia Geral”, que seria

realizada no dia 05 de março de 2009, às 13h.

Disponibilizar documentação sobre regularidade

de agendas esportivas, regularidade de quitação de

obrigações sociais e fiscais, de mais de 20 Federações, no

mesmo dia da eleição, não se coaduna com um mínimo de

razoabilidade, não havendo qualquer correspondência lógica

entre o prazo franqueado e a possibilidade de exercício do

direito de impugnação dos prejudicados.

Dentro dos vetores do princípio da

proporcionalidade (necessidade, adequação e

proporcionalidade em sentido estrito), cujo princípio é

inerente à tutela de qualquer direito fundamental, não se

pode vislumbrar na conduta da agravada, por si só, uma

postura legítima, uma postura compatível com os preceitos

de boa-fé e de transparência, nortes de qualquer regime,

público ou privado.

Ademais, se não o bastante para vislumbrar a

manifesta desproporcionalidade entre o prazo oferecido para

as Federações analisarem os documentos (no mesmo dia da

eleição) - a violar o princípio de igualdade entre a

posição de cada Federação e também das próprias chapas

montadas pelos candidatos-, se torna também importante

consignar que a própria ata da AGE reúne diversos indícios

de uma vontade - no mínimo, questionável - de não permitir

o acesso aos referidos documentos.

Um trecho, em especial, ilustra fortemente o

grave desrespeito da Confederação ao tratamento com alguns

entes Federados, como se depreende da manifestação do seu

advogado ao ser instado o Presidente da Assembléia sobre a

falta de acesso às documentações (fls. 75/77), in verbis:

“(...) O representante da Bahia indagou se os

Presidentes das Federações não tem o direito de ver a

documentação de todas as Federações aqui presentes, tendo o

Sr. Allan passado a palavra ao advogado da Confederação,

Dr. Luís Gutman, o qual respondeu que ´o Colégio Eleitoral

tinha indicado que se alguém tivesse alguma dúvida com

relação a documentação estava à disposição hoje, aqui, o

dia inteiro´, dizendo, ainda, que ´essa discussão poderia

ter sido feita antes da Assembléia´”.

Ora, o próprio advogado da Confederação alertou

- ou melhor, admitiu-, que a discussão sobre a regularidade

da documentação tinha de ser feita antes da Assembléia

Geral. Ocorre que, por um princípio de bom senso, como

seria possível fazê-lo, se a Confederação só se predispunha

a disponibilizar a documentação no mesmo dia da reunião, e

ainda, a piorar a situação, reunião esta que seria

realizada às 13h? Ou seja, teriam as Federações apenas uma

manhã para analisar a documentação de mais de 20

Federações?

Além da aberrante desproporcionalidade do prazo

oferecido, da narrativa de toda a ata da reunião se percebe

que os documentos em nenhum momento chegaram a ser

disponibilizados aos federados, tanto que, só após

Assembléia, depois de eleito o novo Presidente, é que se

conseguiu acesso aos referidos documentos, e feito, então,

a mencionada ata de conferência de documentação.

Isso se explica, provavelmente, naquela

mentalidade que antes fiz referência, de que as pessoas

estão acostumadas a se beneficiar com a letargia do

Judiciário: elege-se o Presidente, enrola-se o processo de

anulação da AGE, e pronto, o mandato já foi exercido, posto

que sub-judice!

O próprio juízo a quo admoestou a Confederação

que qualquer irregularidade seria implacavelmente censurada

pelo Poder Judiciário.

Será que esperar toda a fase instrutória, diante

de todos esses robustos indícios, seria responder à altura

da gravidade da conduta no mínimo desidiosa, ou

displicente, da Confederação agravada?

Entendo que não, ainda mais quando estamos

tratando de uma Confederação que recebe o aporte

significativo de recursos públicos, cuja previsão de

recursos pela Lei de Incentivo ao Esporte, para o exercício

de 2009, é de R$ 12.500,384,90 (fl.78).

No Estatuto da CBTE, consta claramente que

apenas as Federações que cumpram os deveres institucionais

junto à CBTE podem participar da AGE (art. 66, inciso II),

de acordo com o rol de obrigações elencado no seu art. 67

(fls. 56/73).

Quando representantes de algumas Federações se

insurgiram perante o Presidente da Assembléia quanto à

falta de disponibilização do relatório e da documentação

das demais entidades, assim como da necessidade de um prazo

razoável para a devida conferência das documentações, este

deixou registrado que “seguindo o Estatuto ele pode ser

entregue no preâmbulo de toda Assembléia”.

De acordo com as assertivas do advogado da CBTE,

quando afirma que deve ser franqueado amplo acesso ao voto

de todas as Federações, e se discutir – após a votação -

quem estaria impedida ou não de votar, resta claramente

violado o princípio estatutário de que, em caso de omissão

específica de uma questão relevante, que é o direito de

voto, deve a Assembléia Geral resolver os casos omissos,

pronunciando-se obrigatoriamente sobre as questões que lhe

forem submetidas, ainda que o fundamento da decisão não

conste expressamente nas normas que regem a CBTE” (art. 12,

X).

Diferentemente do que afirmou o Presidente da

AGE, o Estatuto não autoriza entregar o relatório no início

da reunião, ele apenas é omisso sobre o assunto, e deveria

a AGE, no mínimo, ter deliberado sobre essa relevante

questão, decidindo quem teria ou não condições de exercer o

direito de voto.

O Poder Judiciário é substituto da vontade dos

particulares quando há entre estes um litígio, e não,

ressalvadas as hipóteses legais, uma espécie de órgão

consultivo, como insinua o corpo diretivo da entidade

agravada quando diz que ao Judiciário cumprirá dizer quem

pode ou não votar.

Sem dúvidas, o Judiciário é Poder cujo socorro

nunca será negado às partes, em compasso com a cláusula

insculpida no art. 5º, inciso XXXV, da CF, desde que, por

certo, haja previamente uma “lesão ou ameaça a direito”.

Dentro da concepção de uma associação, a lesão

ou ameaça a direito ocorre quando, além dos direitos

fundamentais, ocorre violação dos direitos estatutários,

sustentáculo da vontade comum do colegiado particular.

Neste caso, a única lesão a direito que se

constata prima facie é a própria abstenção da Confederação

em ter julgado previamente o cumprimento de cada obrigação

das Federações, já que ao Juiz não cumpre sindicar o mérito

ou conveniência do voto, mas apenas vícios no procedimento

de eleição.

O Estatuto da CBTE delega a competência para

julgar essas condições ao Conselho Fiscal, conforme dispõe

o art. 30, inciso III, in verbis:

art. 30. Compete ao Conselho Fiscal:

III – denunciar à Assembléia Geral erros

administrativos ou qualquer violação da Lei ou do Estatuto,

quando as medidas a serem tomadas, inclusive para que

possa, em cada caso, exercer plenamente sua função

fiscalizadora”.

Em corolário, para se harmonizar os dispositivos

estatutários que condiciona o direito de voto às Federações

adimplentes junto à CBTE, delegando-se ao Conselho Fiscal a

atribuição de julgar a aptidão de cada entidade, não se

duvida que é requisito para realização da AGE um parecer do

Conselho Fiscal sobre cada Federação, sob pena de

responsabilidade civil e criminal de cada Conselheiro.

À luz de toda essa exposição, não há ângulos que

se observe o problema que permita validar a Assembléia

Geral Extraordinária, ou permitir que ela produza efeitos

futuros, ainda mais depois que esta grave questão passou a

ser comunicada ao Poder Judiciário, dele se exigindo uma

providência enérgica para sanear o grave conflito de

interesses.

Destarte, será deferida a tutela antecipada,

para anular a Assembléia Geral Extraordinária da

Confederação Brasileira de Tiro Esportivo, realizada em

05.03.2009, conforme cópia da ata juntada às fls. 75/77.

À luz da teoria da modulação temporal da

nulidade - nascida no direito constitucional e na discussão

da eficácia das normas submetidas ao controle concentrado-,

admito sua importação para a esfera privada, aproveitando-a

para os atos jurídicos praticados pelos particulares, razão

pela qual preservo a eficácia dos atos praticados pela

atual Presidência da Confederação, protegendo-se a

segurança jurídica e as relações com terceiros.

Deve ser convocada nova Assembléia para votação

do Presidente e preenchimento dos demais cargos,

respeitando-se, então, a regra de que apenas as Federações

regulares poderão votar, constando em ata um parecer do

Conselho Fiscal sobre os documentos referentes a cada

Federação, declarando-os apto ou não ao exercício do voto.

Essa convocação não poderá exceder a três meses,

prazo minimamente razoável para cumprimento de obrigação

estatutária de máxima importância.

Por fim, registra-se a obviedade de a tutela

antecipada ser deferida inaudita altera pars, diante da

patente violação ao princípio isonômico pela Assembléia

Geral Extraordinária, que cerceou o acesso aos documentos

das Federações aos seus representantes, fato este que

chegou a ser precedido de uma ação cautelar movida pelo

agravante, sobre a qual os presentes na reunião

demonstravam ter conhecimento, como se depreende em trecho

transcrito na ata, verbis: “quem não estiver satisfeito

pode correr para o Judiciário, citando o Sr. Oscar já havia

feito isto(...)”.

Presentes o fumus boni juris e o periculum in

mora, há de se registrar, em sede de cognição sumária, que

o implemento prévio do contraditório, além de ineficiente

para a tutela de danos causados pela administração da

Confederação por membros que foram eleitos através de

pleito irregular, também se mostraria medida potencialmente

abusiva, principalmente porque poderá ser implementado o

contraditório diferido ou retardado.

Na esteira do Informativo 405 do Supremo

Tribunal Federal, que consolida a eficácia horizontal dos

direitos fundamentais, desponta evidente a crassa nulidade

que infirmou a validade da AGE, emergindo também evidente

que não se pode reconduzir o anterior Presidente, cujo

mandato já se expirou, nem permitir que o atual Presidente

continue administrando a Confederação.

Urge, destarte, nomear-se um administrador

judicial para gerir interinamente a entidade, ao menos

enquanto não for designada nova eleição, que deverá se

realizar o mais brevemente possível, cujo prazo limite não

poderá ultrapassar os 3 meses, como acima já havia sido

fixado.

Essa atribuição de designação do administrador

judicial cumprirá ao juízo a quo, porquanto uma pessoa da

sua melhor confiança será mais adequada ao cumprimento do

referido e sério encargo, mormente porque caberá àquele

juízo resolver originariamente os incidentes que,

porventura, sobrevenham.

Deve ser registrado, por fim, que a medida

extrema de intervenção do administrador judicial só

atingirá à sua finalidade se, ao longo do período

necessário para convocação de nova AGE, sejam

disponibilizados previamente as documentações de todas as

Federações, para que a própria AGE, em face das

documentações, possa declarar a aptidão de cada ente para o

exercício do voto.

Dessa forma, mister que antes da eleição do novo

Presidente, a própria AGE resolva as questões incidentais

relacionadas ao direito de voto de cada entidade, deixandose

uma séria crítica ao Estatuto da Confederação, de que o

seu silêncio quanto a importante aspecto institucional

apenas colabora pelo dissenso deste grupo do esporte

nacional, e que seria de bom alvitre rever-se o estatuto e

regular-se o procedimento de habilitação de cada Federação

ao voto. Caso contrário, cada eleição desembocará no Poder

Judiciário, já que esta não é a primeira vez que este

conturbado episódio bate às nossas portas.

A título de esclarecimento, em que pese antes

tenha feito menção à atribuição estatutária do Conselho

Fiscal para julgar a aptidão de voto, explica-se que, em

razão do fim do mandato do antigo Conselho, assim como da

impossibilidade de se validar os atos praticados pelo órgão

eleito na AGE sub judicie, deve a atribuição de julgar a

aptidão ao voto de cada Federação recair sobre a própria

Assembléia Geral, com fulcro no art. 12, inciso X, do seu

Estatuto Social, ressaltando-se que, caso a deliberação

contraste com os documentos e provas, poderá o órgão ser

judicialmente dissolvido e sua deliberação revogada,

passando o próprio Judiciário a decidir quem poderá ou não

votar.

3. Dispositivo.

Ex positis, voto pelo provimento do agravo de

instrumento, para deferir o pedido de tutela antecipada

inaudita altera parte, nos termos da petição inicial,

declarando nula a Assembléia Geral Extraordinária da

Confederação Brasileira de Tiro Esportivo, realizada em

05.03.2009, conforme cópia da ata juntada às fls. 75/77.

Por conseqüência, cassa-se o mandato do atual Presidente e

demais órgãos eleitos, nomeando-se um administrador

judicial para gerir interinamente a entidade, que deverá

convocar nova AGE no prazo limite de 3 meses. Dentro desse

prazo compreende-se também o tempo necessário para convocar

especificamente a AGE que decidirá a aptidão de voto de

cada Federação. A escolha do administrador judicial fica

desde já delegada ao juízo a quo, dentre pessoas idôneas e

tecnicamente habilitadas ao exercício do cargo (que poderão

ser escolhidos dentro dos membros da própria Confederação

ou Federações), sem prejuízo da prestação de compromisso e

contas, sob as penas da lei.

Comunique-se e intime-se, com urgência.

Rio de Janeiro,26 de janeiro de 2010.

Desembargador Mario Guimarães Neto

relator

Certificado por DES. MARIO GUIMARAES NETO

A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br.

Data: 26/01/2010 18:10:40Local Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: 0028198-33.2009.8.19.0000 (2009.002.25620) - Tot. Pag.: 14

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