Discurso
do Presidente da República, Luiz Inácio
Lula da Silva, na cerimônia de assinatura
da Medida Provisória do Alto Rendimento,
que altera a Lei nº 9.615/98, instituindo
normas gerais sobre o esporte, e a Lei nº
10.891/04, que institui o Bolsa-Atleta, e cria
os programas Atleta Pódio e Cidade Esportiva
Palácio
do Planalto, 20 de setembro de 2010
Eu
tinha assumido um compromisso com o Orlando
de que ele ia falar pouco, para que eu não
falasse nada, e a gente pudesse permitir que
vocês fossem almoçar. Mas como
o Nuzman disse que normalmente atleta não
gosta de comer muito, e quem gosta de comer
são os dirigentes, que já estão
todos gordos, eu falei: eu vou falar um pouco,
porque os atletas não estão com
tanta fome como eu, por exemplo.
Bem, primeiro, cumprimentar os companheiros
ministros Orlando Silva, Ministério do
Esporte; o companheiro Fernando Haddad, ministro
da Educação; o nosso companheiro
Juca Ferreira, ministro da Cultura; o Paulo
Bernardo, ministro do Planejamento, Orçamento
e Gestão; o nosso Luís Inácio
Adams, advogado-geral da União; o Alexandre
Padilha, da Secretaria de Relações
Institucionais; o nosso companheiro Samuel Pinheiro
Guimarães, que trabalha na Secretaria
de Assuntos Estratégicos – a incumbência
do companheiro Samuel é me entregar,
ao final do meu mandato, o que nós queremos
que o Brasil seja em 2022, quando nós
estaremos completando 200 anos de Independência.
E, como para chegar a 2022, a gente vai ter
que passar por 2016, significa que ele vai ter
que colocar no seu planejamento estratégico,
aí, 2016.
Quero cumprimentar o companheiro Nuzman,
Quero cumprimentar os companheiros, os atletas
que estão aqui, o David Lourenço,
deste tamanhinho, campeão de boxe. Pega
um marmanjo como o Fernando Haddad, toma tanta
bordoada que vai cair sem saber por que caiu.
O Daniel,
Quero cumprimentar o Presidente do Comitê
Olímpico,
Companheiros que vieram de Cingapura, dirigentes,
Não se preocupem, que eu não vou
ler o discurso porque ele é longo. Eu
vou apenas dizer algumas coisas que eu acho
que é importante. Eu, no dia 31 de dezembro,
estarei terminando o meu mandato e, ao terminar
um mandato, a gente começa a fazer uma
reflexão daquilo que foi feito, que é
uma espécie de prestação
de contas para o país. E, certamente,
nós vamos constatar que nós fizemos
muito nesses oito anos, muito, mas tudo o que
nós fizemos é muito pouco diante
do que ainda nos resta fazer para atingir o
estágio de um país que tem o investimento
no esporte como uma questão de decisão
de política de Estado e que seja uma
coisa perene, que não seja uma coisa
ocasional, dependendo de quem esteja ou não
na Presidência da República.
E
não existe outra possibilidade de nós
conseguirmos isso se a gente não conseguir
introduzir, como matéria escolar, a questão
do esporte. Não existe outra... Não
tem momento mais adequado para uma criança
ou um adolescente começar a gostar de
fazer alguma coisa, ou compreender a necessidade
de fazer alguma coisa, do que ela ter uma chance,
na sua escola, de ter uma quadra, de ter uma
pista, de ter uma piscina, de ter alguma coisa
que ela possa escolher para praticar esporte.
Ora,
muita gente que teve sorte de pertencer a setores
médios da sociedade, muitas vezes, compensa
o fato de não ter na escola pagando um
clube, podendo frequentar um clube e treinar.
Não é a realidade da grande maioria
do povo brasileiro.
Nós estamos Nuzman – e você
já deve conhecer –, fazendo junto
com o Orlando, junto com o ministro da Educação,
um trabalho enorme que certamente nós
vamos colher os frutos em 2016, que é
o de tentar, em cada bairro pobre deste país,
em cada lugar, você criar espaço
para que as pessoas possam treinar, possam lutar,
possam... É ocupar o espaço e
o tempo ocioso de uma criança, porque,
se não tiver o que fazer, ela vai para
um computador, se tiver computador, passar o
dia inteiro em um computador e não vai
deixar um minuto sequer para poder praticar,
para poder correr, para poder lutar, para poder
fazer qualquer treinamento de qualquer coisa.
É quase que um desafio. E qual é
a coisa importante que vai ficar de ensinamento,
Orlando, para essa juventude?
O
vôlei brasileiro, como tanto outros esportes,
andou capengando durante muito tempo até
que resolveu-se – não sei se na
década de 80 ou no final – a profissionalizar
a questão do vôlei, a fazer com
que a gente tivesse uma profissionalização
e que a gente pudesse oferecer aos atletas as
condições plenas daquilo que existia
de melhor no mundo para que eles treinassem
e, de lá para cá, o Brasil se
transformou na maior potência de vôlei
do mundo. Eu lembro que, quando eu tinha um
pouquinho menos anos do que eu tenho hoje, a
Seleção brasileira de vôlei
ia jogar com os Estados Unidos: “Ah, já
perdemos”, parecia que a agente tremia;
ia jogar com a Rússia: “Ah, já
perdemos”; teve um tempo em que o Japão
era metido: “Ah, já perdemos”;
teve um tempo que Cuba parecia invencível:
“Já perdemos”, e assim nós
éramos... íamos, entrávamos
em campo como se fôssemos atletas de segunda
categoria que já íamos jogar para
perder. Até que a gente fez a virada
e, hoje, eles é que entram com medo do
Brasil, eles é que falam: “Vamos
jogar com o Brasil. Ih, já perdemos,
ih, já perdemos”. É só
ver a quantidade de títulos que nós
tivemos nos últimos vinte títulos
que nós participamos. Nós estamos
tão presunçosos que, mesmo quando
a gente tiver um campeonato, mas a gente perde
uma única partida, a gente fala: “Ah,
não podia ter perdido”, como se
os atletas não pudessem perder uma coisa.
Então, eu acho que a profissionalização
é a razão principal pela qual
a gente pode atingir a plenitude do investimento
e da prática do esporte, e eu acho que
nós precisamos ser presunçosos
mesmo. Nós precisamos chegar às
Olimpíadas de 2016 mais preparados do
que já estivemos em qualquer outro momento,
com mais atletas do que já tivemos em
qualquer outro momento e com mais perspectiva
de ganhar medalha do que em qualquer outro momento.
Afinal de contas, vai ser a primeira vez, na
América do Sul, que a gente vai ter a
realização de uma Olimpíada.
Até então, nós tínhamos
tido no México, em [19]68, e depois só
nos países ricos, nunca tinha vindo para
cá. E o Nuzman sabe, o Orlando sabe,
todo mundo que participou sabe o sacrifício,
o trabalho. Foram dois anos de trabalho para
a gente poder tirar a pecha de que nós
éramos um país perdedor, porque
ninguém acreditava que o Brasil poderia
realizar uma Olimpíada. Nós realizamos,
e vamos realizar.
Então, veja, nós vamos ter, agora,
em 2011, Olimpíadas Militares, com quase
5 mil atletas; vamos ter, em 2013, Copa das
Confederações; vamos ter, em 2014,
Copa do Mundo; vamos ter, em 2016, Olimpíadas;
e, em 2015, vamos ter a Copa das Confederações...
a Copa América, que tinha havido um jeito
de fazer uma pergunta, mas parece que não
deu certo a pergunta com o Chile. Então
nós vamos ter cinco anos, quase que consecutivos,
alucinantes, da prática de eventos esportivos
importantes no Brasil.
Isso,
do ponto de vista da imagem do Brasil lá
fora, será extraordinário; do
ponto de vista de motivação da
sociedade será extraordinário;
e do ponto de vista do despertar, aquele despertar
da meninada querer praticar esporte, eu acho
que vai ser uma coisa extraordinária.
Eu fui, agora, à Rocinha, Nuzman –
não sei se você estava quando nós
fomos inaugurar um centro lá. (incompreensível).
Eu até tenho dito o seguinte: a meninada
que gostar de brigar, em vez de gostar de brigar,
vai treinar boxe; bota uma luva e vai bater
no seu adversário, sem a violência
da briga de rua.
E
nós precisamos criar essa consciência
no Brasil. Ela não está criada,
e acho que o Bolsa-Atleta, Orlando, é
a consagração de uma coisa. É
muito fácil, é muito fácil
o empresário privado querer patrocinar
um atleta que já ganhou medalha de ouro.
Agora, é muito difícil você
convencer alguém a pegar um menino de
12 anos de idade, de 13 anos, da periferia,
e falar “nós vamos patrocinar”.
Enquanto não tiver retorno financeiro,
não existe essa hipótese. E quem
tem que fazer isso? Sem medo de dizer, é
o Estado brasileiro e as empresas públicas
brasileiras que têm que bancar a garantia
de que essas pessoas vão ter oportunidade.
Bem, e isso eu acho que nós estamos garantindo
hoje.
Agora,
nada disso dará certo se não houver
uma motivação na nossa consciência.
Eu acho, Nuzman, que é preciso a gente
colocar todos os dirigentes, de todas as modalidades,
com o coração na ponta da língua.
São seis anos de trabalho, são
seis anos. Se a gente não começar
ontem, a gente pode perder o bonde. Nós
primeiro temos que acreditar que este país
não nasceu para ser de segunda categoria;
segundo: que nós não somos inferiores
a ninguém, o que nós queremos
é apenas uma oportunidade.
Um
menino como esse, para ser campeão de
boxe, para ser campeão mundial, um menino
com esse mora em um quarto e cozinha com seis
ou sete pessoas dentro de casa. Só chega
onde chegou porque está na alma dele
ser maior do que as condições
objetivas permitiriam que ele fosse; é
quase que uma vocação. E nós,
muitas vezes sentados em frente a uma televisão,
ficamos cobrando coisas de vocês que nós
nunca contribuímos para vocês fazerem.
A gente não quer saber quantas dores
nas costas vocês têm, a gente não
quer saber quantas lesões no joelho,
a gente não quer saber quantas dores
no pescoço, a gente não que saber
quantas horas e horas de treinamento uma menina
ou um menino tem que fazer para ganhar uma medalha
de prata ou para disputar uma olimpíada,
até para ser classificada! Nós
ficamos com a exigência, muitas vezes,
apenas de cobrar como torcedor ou como brasileiro
e não com a obrigação de
fazer enquanto brasileiro e enquanto governo.
Nós
vamos fazer a nossa parte, Nuzman, nós
vamos fazer a nossa parte. Esses meninos que
ganham medalhas de ouro, esses meninos que,
disputam que vão a Cingapura, todas essas
pessoas poderiam fazer muito mais se tivessem,
da parte do Estado brasileiro, a compreensão
de que atleta não é apenas a sorte
que cria. A natureza cria o talento, ele tem
que ser aperfeiçoado; e quem o aperfeiçoa
são, na verdade, os clubes, se tiver;
se não tiver clube, os patrocinadores,
se tiver; se não tiver nada disso, é
o Estado brasileiro que tem que assumir responsabilidade
e cuidar do potencial de atleta que têm
as nossas meninas e os nossos meninos.
Por isso, Orlando, meus parabéns mais
uma vez pela iniciativa. Eu, quando descer aquela
escada ali, no dia 1º de janeiro, eu vou
começar a pensar não no que nós
fizemos, mas o que nós deixamos de fazer,
porque eu acho que ainda precisa fazer muito
para este país conquistar a sua respeitabilidade
definitiva. Mas, pelo dia de hoje, parabéns
ao ministro Orlando; parabéns, Nuzman;
parabéns aos atletas; parabéns,
porque eu sei que tem o dedo dos outros ministros
aí, e eu espero que em 2016 o Brasil
esteja afiado para surpreender até o
Nuzman... de achar que será a décima,
nós poderemos ser... se o Brasil está
se preparando para ser a quinta potência
econômica nos próximos seis anos,
sete anos, a gente pode fazer muito mais pelo
esporte. Basta que a gente assuma como tarefa
e responsabilidade.
E
da minha parte, mesmo não sendo mais
presidente da República, você trate
de criar uma coisa qualquer para a terceira
idade, que lá estaremos eu e o Bernardo
jogando e disputando para ver se a gente ganha
uma medalha.
Um grande abraço, que Deus abençoe
todos vocês e todos nós.